Certa vez, ouvi uma lenda sobre as Mulheres-pássaro. Elas podiam voar e assim observar suas vidas de cima, com distanciamento e em detalhes, já que possuíam a precisão da visão da águia. Do alto podiam perceber os diversos aspectos que compunham suas vidas, e então definir, quais deles necessitavam de maior atenção e cuidado no momento. Me sinto exatamente assim, daqui do meu "topo do mundo"... Em verdade, poucas vezes parei pra pensar na minha vida aqui, mas algo em mim se pensa,
by the way. E agora, que tenho apenas mais cinco dias aqui, o Brasil, e sobretudo minha vida, pedem atenção.
Saí de Brasília com a cidade, o facebook e o Brasil pululando de manifestações, sentindo certo
frisson, misto de alegria e expectativa pela inesperada mudança na atitude política da nação, que trouxe à tona muita luz, e também certo medo, por tudo o que guarda a sombra, parte inseparável da luz (neste caso, a violência, especialmente). Daí chego aqui, e no dia seguinte, meu primeiro programa é justamente político: a
Gay Parade em São Francisco, que teve gosto especial pois mės passado o Estado da Califórnia aprovou definitivamente o casamento gay! E agora, nesse exato momento, tô assistindo a chegada do Papa no Rio na TV5monde,
avec ma cunhadô. Eita mundão velho sem porteira! E manifestantes a favor do casamento gay manifestam-se pro Papa... Sincronicidade pouco é bobagem.
Chegar e cair direto na
Gay Parade foi um presente que pude abrir aos poucos. Primeiro porque fomos de
Caltrain pra São Francisco, uma experiência bem diferente, desde a compra dos
tickets na máquina, a paisagem até a diversidade de pessoas ali, maioria jovem, fantasiada pra
Parade. E eu, por primeira vez, tendo que me comunicar em inglês com uma amiga de minha irmã. Enfim, vivi um dia totalmente atípico, a americanada tava mais livre, solta, rindo mais, afinal era quase carnaval! Bonito ver cada novo grupo entrando na "avenida" deles, a
Market Street. Os invisíveis ganharam visibilidade ali como os gays asiáticos, os estrangeiros sem documento, famílias gays, gays latinos, escoceses, brasileiros, cowboys e tantos outros, organizadamente separados, cada grupo com seu carro alegórico. Vez por outra passava um carro aberto com algum político envolvido com direitos humanos, eu acho, já que o público curtia a presença deles (ah se fosse no Brasil...) além de alas de grandes empresas como facebook e grandes cadeias de hotéis. Tamanha diversidade e tolerância me causou estranhamento e talvez, certo incômodo. Minorias junto com grandes empresas foi muito pro meu provincianismo.
Legal também tem sido estar vendo e vivendo a vida cotidiana aqui, sobretudo na casa da minha
sweet sister. Sem dúvidas, a mais doce de nós quatro, de uma delicadeza que me preenche fundo a alma feminina... Mesmo sendo periodo de férias, dá pra sacar a dinâmica da vida cotidiana, compras da casa, comida, arrumação, vida social deles e do Gabriel,
ma petit sobrinhô. Enfim, sou muito grata por poder aprender com eles, assim tão de pertinho, outras formas de viver, de amar, de fazer a vida valer a pena. Isso sem falar dos meus
classmates, colegas do curso de inglês, que vem de outros países e me contam sobre tantas outras diferenças, cotidianas, culturais, expressivas que rolam mundo à fora.
Sobrevoô o mapa do Brasil, e voô direto pro Planalto Central, sobre o qual falei muito no curso, exumando um amor por Brasília que eu nem sabia tão grande. Mas vou direto pra minha casa, sobrevoando o quintal até entrar pela janela. Hum, e já sinto o cheiro peculiar dali, que eu nem sabia que havia... Cheiro do Lucca, o meu, o nosso impregnado nas coisas... A história dessas coisas... E quando chego no centro nervoso, no coração da casa, a cozinha, vejo a linha divisória imaginária entre o pessoal e o social. De um lado, quartos e sala, do outro trabalho, ateliê e o quarto mágico que já recebeu muita gente legal, vinda do mundo, acrescentando saberes ao nosso viver. Casa-mundo! E agora vivo o contrário: Mundo-casa! Diferentes e tão complementares...
Well, the bird woman can see much things... Vejo meu amor se derramando sobre o que prescinde de amor, amor que pressupõe certa dureza, vez por outra... Manter a pele acordada, daqui, também me parece vital. Aqui, percebi que quando a boca falha no entendimento, a pele salva, é nela que mora a intuição, pelo menos a minha. Ingrediente indispensável pros relacionamentos afetivos, amorosos, todos...Fazer comida em casa agora parece muito mais possível, divertido e nada
boring. Pascal, meu pacato cunhado, tem um jeito só dele de fazer as coisas, simples e ao mesmo tempo, inusitado, deixa tudo mais leve, mais possível, mais bonito, A casa e a comida. Troca de famílias, sabe aquele programa? A gente aprende mesmo se infiltrando na casa alheia, seja ela casa ou país.
Acredite, as portas do mundo, dos mundos, reais e imaginados, estão aí, pra serem abertas. E se ainda não der pra atravessar portas, dá pra se divertir muito espiando pela janela.
Namastê
Anasha