Umbigo de Eros

Te convido para sentar no sofá vermelho de Eros... Vamos escarafunchar os Umbigos!


Conheci Palmas, um lugar mágico e muito quente. Casas baixas, poucos prédios, ruas largas e balões tão enormes que dá pra construir duas casas em cada um! Muito espaço e natureza pra todo lado. Na palma de Palmas, as linhas de um amanhã a ser inventado pela imaginação do homem... No seu rosto, as marcas do Brasil em cores, sotaques e gestos. Muitos casais jovens, moderninhos, buscando construir a vida. Palmas é um “novo mundo” onde o futuro é evocado a cada espaço vazio e o passado parece não existir.

Ao mesmo tempo, Palmas me fez viajar para o meu passado. Lembrei de Cuiabá, quando chegamos em 75, e havia muito mais natureza do que cultura. Claro que eu, naqueles tempos, no auge dos meus cinco anos, não atinava pra nada disso. Só sentia. Sentia tudo muito diferente da São Paulo de onde eu vinha, cinza e fria. Cuiabá era colorida, cheirosa e quente! O Sol, em sua quentura constante, tornou-se meu amigo e conduziu meu corpo com amor até sua própria liberdade desconhecida! Eu e todas as menininhas sempre só de calcinha, pra lá e pra cá, sentindo a vida na pele. Ali, conheci a natureza em toda a sua plenitude. Nas carrocerias das camionetes soube do meu amor pelo vento. Nos rios e cachoeiras descobri que não vivo sem água. Foi lá que percebi que dava pra reconhecer as pessoas e os lugares só pelo cheiro. E, tomada pela magia do olfato, pari minha “bruxa interior”.

O mundo inteiro suava e a vida mostrava as vísceras: lembro do cheiro dos meus pais, do da minha irmã, do dos meus primos, o cheiro da fazenda, dos bichos, dos rios, da minha casa, da casa dos outros... Ali, ao reconhecer meu cheiro, finalmente me reconheci. Quando meu filhote nasceu, juro que antes de olhá-lo, eu o cheirei profundamente. Assim como cheirei visceralmente aquela terça-feira de manhã, onde o sol brilhava forte, alaranjado e vigoroso, e o céu era mais azul, do mais azul dos azuis. E minha alma era quietude e lugar!

Cuiabá, ao aproximar-me da origem das coisas, deu maturidade e refinamento aos meus sentidos. Comíamos peixe fresco, recém pescado do rio... Hum, farofa de banana! E as frutas? Comia fruta do pé como quem nasceu fazendo, sem lembrar o quanto me era recente essa experiência! E as cobras? Elas existiam mesmo, assim como aquelas aranhas enormes, e não só na fazenda, mas no meu quintal! E era uma farra quando apareciam. Correria, gritaria, histeria até aparecer alguém pra salvar a pátria.

Lembro de ver matar cobra só uma vez. Nesse tempo de que falo não se fazia isso. Não matar os animais era parte da ética do mundo, da ética do meu “novo mundo”! Aliás olhar o diferente como mau é coisa de agora. Lá, o Outro podia até parecer perigoso, mas antes de encerrá-lo no universo limitado de nossa primeira e maldosa leitura, a gente dava uma chance pra ele se mostrar um pouco mais. No tempo do “meu paraíso perdido” era assim. Acho que no “meu futuro encontrado” também será...

Sabemos que logo o Brasil de maioria jovem dará lugar a um Brasil de pessoas mais velhas, o que trará a mudança dos mitos que movem a nossa sociedade. A Velocidade, a Forma, o Vigor e a Juventude darão lugar a novos mitos, que nos aproximarão mais do que é essencial. Acho que estar, pelo menos teoricamente mais próximos do fim, nos faz rever a lista de prioridades. Tudo isso pra falar que Palmas traz na palma também a vanguarda e a inovação. Lá conheci a UMA – Universidade da Maturidade, um programa de extensão da Federal para pessoas acima de 45 anos. Uma proposta visionária, e totalmente de acordo com o caminhar do mundo, do nosso “novo mundo” sempre prestes a ser reinventado. Conheci sua mentora, a Dona Gilda, no auge de seus 70 e poucos anos. Uma figura excepcional em ética, energia e criatividade. Em sua alma de artista e cabelos prateados como a lua, lembrou-me minha mãe. E de novo sou lançada longe, no “tempo do meu início”.

Em Cuiabá, minha mãe liberava a parede dos fundos da casa à nossa criatividade. Pintávamos tudo com guache e no dia seguinte, uma mangueirada de água e começava tudo outra vez. Não tínhamos piscina e a santa mangueira era companheira diária de banhos e aventuras. Foi justamente por não ter piscina que conheci meus novos vizinhos, que a tinham, graçasadeus.

Assim que chegamos, dois irmãos da mesma idade que eu e minha irmã, foram lá em casa nos convidar pra “banhar”. Foi quando, numa conversa sobre televisão falei de Vila Sésamo. “O que é isso? Aqui não passa isso não". Eu, metida: "Pois na minha tv passa, e você vai adorar!” Quando ligamos a dita, meu mundo caiu! Pelo menos aquele mundo que eu vivera até então. Tudo estava diferente na tela, só haviam dois canais e nada de Vila Sésamo. Nossa TV ficara igual a todas as outras dali. Fui chamava de mentirosa e nem entendi muito bem o porquê. Mas, ganhei um “novo mundo” onde a natureza era rainha, e a cultura era sentida, e não mediada.

Palmas me lembrou também Brasília, no seu tempo de “novo mundo” dos candangos. Seu glamoroso lago, forjado e nascido sobre as árvores do cerrado lembra o nosso Paranoá, mas é maior, muito maior. Pra quem tem facilidade de abstração, se transforma no mar rapidinho. Foi justamente no “mar” do Toca, que vivi minha maior aventura. A lancha, que nos levara num passeio maravilhoso, pifou, no meio do nada. Os celulares out e eu tendo que estar em Palmas às 16h para trabalhar! Às 15h30, ainda sem nenhuma perspectiva de mudança, pari uma: “O que não tem remédio, remediado está!” Relaxei totalmente e mergulhei no momento, e nas águas daquele mágico lago nascido do homem.

Quem me conhece sabe que não me faltam temas para filosofar. E mesmo que faltem, filosofo. É assim que aprendo e apreendo a vida, de modo que aprendi muito naquelas 4 horas “à ermo”, e mais ainda nas 60 horas em solo tocantinense. O Toca me tocou fundo, me fez lembrar da substância de que sou feita!

“Viajar é preciso, viver não é preciso”.