Dia desses, meu filho, com quase 15 anos, me diz que é ateu. O mais engraçado foi que a revelação não me abalou. Achei interessante até! Se fosse há alguns anos eu certamente ficaria com o coração apertado achando que isso poderia mascarar um ceticismo meio depressivo, sei lá. Hoje me pareceu jocoso, até porque, conheço meu filho, e ele é uma das pessoas mais cheias de fé que conheço. Fé e amor à vida ele tem de sobra! Tentei aprofundar o assunto e acho que captei o que ele estava querendo dizer. Em verdade, ele começa a esboçar um senso crítico em relação a várias questões: guerra, política, religião, e no pacote, a crença num Deus único, onipresente, onipotente e que nos vigia. Nesse, ele não acredita mesmo.
Dias depois, puxando novamente o assunto, ele me diz que não é ateu, e sim agnóstico! Ou seja, ele não acredita nem descrê na existência de um Deus ou vários, ele apenas acha que a mente humana não é capaz de explicar tamanho mistério, mas acredita que eles existem. Ou seja, ele consegue conviver com o mistério que é a existência e pronto, sem grandes questionamentos. Eu não! Desde que me conheço por gente invento histórias/mitos pra amenizar o tamanho da interrogação. Mas fico feliz por ele poder experimentar outros caminhos para além da mãe, num salto existencial-filosófico necessário na adolescência.
Falar nisso, lembro claramente da sua primeira crise existencial, aos três ou quatro anos. A notícia da morte do avô paterno trouxera à tona o tema morte. E volta e meia eu o pegava chorando num canto dizendo que não queria morrer. Eu botava o bichinho no colo, abraçava e dizia que ele não ia morrer. “Mas porque o vovô morreu então?” Oras, ele já tava velhinho. E as lágrimas voltavam a correr.“Eu não quero morrer! Eu não quero morrer nem quando eu for velhinho!” Caramba, que sinuca de bico! Dizer que ele era imortal eu não podia... Foi então que resolvi compartilhar minha crença na morte, deixando claro que era o meu modo particular de pensar a coisa toda. Se isso ficou claro pra ele, eu não sei, enfim. O que eu não queria era que a minha fala parecesse uma verdade única, já que, em algum momento, ele elaboraria ou escolheria sua própria crença espiritual.
Eu: Acho que quando a gente morre deixa de ser quem é e pode escolher no quê vai querer se transformar.
Ele: (com os olhinhos brilhando) Você vai querer ser o que mãe?
Eu: Um passarinho!
Ele: (bem feliz, pensando) Então eu quero ser um cachorro voador, assim a gente fica voando junto... Não, não, um cachorro mágico voador, assim eu posso me transformar em outras coisas também, quando eu quiser.
Pronto! Assim abrandou-se a tal crise que só voltou anos depois, com nova roupagem. Desta vez era o universo a questão. Mãe, onde termina o mundo? Não sei, acho que não tem fim. Como assim não tem fim? Ele ficou meio apreensivo. Falou sobre as galáxias, planetas e que os cientistas deviam saber onde ficava o fim. Eu disse que nunca havia ouvido nada àquele respeito, mas que a gente podia pesquisar junto. Ele fez uma cara de que não era necessário. E com ar de cientista, me chamou pra sentar à mesa, pegou lápis e papel e desenhou um retângulo. E eu ali, sem entender nada. Me chamou pra mais perto e, todo sério, apontou um dos menores lados do retângulo. “O mundo começa aqui!” E foi com o dedinho pro lado oposto... “E termina aqui. Viu? É assim!” E saiu da mesa todo contente. Um mundo sem fim era insuportável! Nessa época, com sete anos, ele ainda não era agnóstico. Inventava mitos pra dar conta dos mistérios, assim como o ser humano faz desde que o mundo é mundo.
Chato mesmo é quando alguém quer incutir uma dessas “verdades particulares” em todo mundo, como se fosse uma roupa super flexível que cabe em qualquer um. Como fazem com as religiões, que é um pouco a crise dele agora. Mas pensando bem, acho que ele tem religião sim: o futebol! Quanta reverência, entrega, entusiasmo, paixão eu vejo nele quando assiste a um jogo de futebol! Ele chora, berra, comemora, e de certa forma, quando o bicho tá pegando pro seu time, até reza, porque torcer é uma espécie de reza, sem dúvidas. Existe toda uma metafísica no ato de torcer.
"O torcer é parente do orar, só que sem rodeios e intermediários. Na reza, o devoto se concentra e abre o canal da interlocução pela oração: ele se dirige ao santo ou deus da sua predileção, rogando-lhe que interceda a seu favor. (...). O torcedor, é claro, também reza e promete, mas no calor da hora ele vai direto ao ponto.(...) No fundo a fé selvagem de quem torce é a crença de que podemos domar e torcer o curso natural das coisas - coagir o futuro -por meio da força bruta do nosso querer. O mundo, berra em silêncio a alma torcedora, não é surdo e indiferente ao meu desejo". Eduardo Giannetti
Hoje ele ainda investiga o espaço, mas de um novo modo: Com seu skate! Desde sempre guardo em mim a sensação de que o conheço há séculos, milênios... Quem sabe já voamos juntos em outras paragens? Sou muito grata por poder acompanhar todas essas transformações no seu modo de pensar e sentir o mundo. Ele me abala, me tira do prumo, me chacoalha, me acorda! Ele me cresce, sempre!
Hoje ele ainda investiga o espaço, mas de um novo modo: Com seu skate! Desde sempre guardo em mim a sensação de que o conheço há séculos, milênios... Quem sabe já voamos juntos em outras paragens? Sou muito grata por poder acompanhar todas essas transformações no seu modo de pensar e sentir o mundo. Ele me abala, me tira do prumo, me chacoalha, me acorda! Ele me cresce, sempre!
Namastê
Anasha