O Setor Comercial Sul, de Brasília, das 9h30 ao 12h em 26/8/2003...
Pesquisa de campo pra um espetáculo... Ando por aí meio sem graça, tentando encontrar um jeito de estar sem ser. Uma pedinte vem em minha direção: “Ô fia, me dá um dinheiro pra me ajudar. (Me olha nos olhos e sorrimos juntas). Ao menos 50 centavos. Fazer um lanche!” Eu respondo: Ô, tenho não! Rimos e nos vamos. Ela com andar trôpego e a mão direita no ar, pra equilibrar... Parecia bêbada mas não estava.
Pesquisa de campo pra um espetáculo... Ando por aí meio sem graça, tentando encontrar um jeito de estar sem ser. Uma pedinte vem em minha direção: “Ô fia, me dá um dinheiro pra me ajudar. (Me olha nos olhos e sorrimos juntas). Ao menos 50 centavos. Fazer um lanche!” Eu respondo: Ô, tenho não! Rimos e nos vamos. Ela com andar trôpego e a mão direita no ar, pra equilibrar... Parecia bêbada mas não estava.
Por toda a parte, homens vestidos de terno e gravata surrados, carregando maletas, cabelos ensebados, rostos brilhantes. Vendem ouro, apólices de seguro e sabe lá o que mais, tentando fazer a mimesis dos grandes executivos...
Sentado na passarela/escada, há um senhor negro, vestido em tons de cinza: Chapéu, paletó aberto, camisa listrada, calça e havaianas pretas. Está sentado com uma perna dobrada e a outra apoiando o cotovelo cuja mão chacoalha uma pequena bacia de metal com moedas. O barulho substitui as palavras. Basta mostrar a bacia! Com a outra mão, fuma um cigarro forte e fedido. A mesma mão que segura sua bengala. Tem ainda uma sacola branca pendurada ao pescoço. O fundo musical dessa região é bem gospel. Um cara tem tudo montado ali. Vende CD’s e sonoriza o SCS.
Vejo uma moça nova, uns 20 anos, sentada no chão com duas crianças: uma bebê e outro de uns 3 anos. Eles brincam com encartes de supermercados. Sento quase em frente e disfarço. Me sinto mal por estar observando essa miséria pra transformar em Arte... Ela amamenta o bebê enquanto espera a esmola de um homem de Rybam. Ele demora pra encontrar. E quando encontra lhe entrega uma moedinha. O menino se afasta um pouco, e olha seu xixi que cai no fundo do bueiro. O xixi termina e ele continua ali, como que em êxtase.
Susto! No capô de uma belina branca, de Valparaiso de Goiás, há um saco cinza de onde se vêm saindo quatro pernas humanas! Me aproximo: são manequins. O carro está em frente a galeria CAL, e eu nem sabia de sua existência. No vidro, há uma frase legal: AS IMPRESSÕES NO CHÃO DA CIDADE ESTÃO QUEIMADAS NAS RETINAS E FIXADAS NAS MENTES DE QUEM VAI E VEM.
Na Galeria percebo que não sou a única escrota nas artes. Um painel com fotos de peitorais masculinos sarados – fotos retiradas da internet. Arte! No outro canto, até me emociono: Há um vestido de renda branco, pequenino, e na altura do coração pisca uma luzinha vermelha. Na parede próxima uma foto (montagem?) de uma bebê (boneco?) num clima de morte e velório. Parece morto! Ai, ai... São 10h45. Há mais pessoas agora e a tendência é aumentar. Jovens vestidos de adultos carregam pastas, celulares, tentando vencer a síndrome social do Puer Eternus. Como todos nós! Na lista de presença vejo nomes conhecidos. Imagino todos eles passando pelo SCS, cheios de nojo! Projeção!
Século 21 e o lema ainda é: Vigiar e punir! Caras do Detran, andam por todas as ruas, multando carros que estão estacionados em lugares onde todos nós estacionávamos há um mês atrás. VAGA Fácil! Onde estarão os flanelinhas? Talvez tenham sido incinerados a mando do governador. Eram tantos e não há nenhum! Esse lugar é estranho sem eles. “Vigia aí, dona?” Frase em extinção! Lembrei agora da Terra dos meninos Perdidos, do Pinóquio. A promessa da felicidade, sem os adultos por perto. Todos felizes dentro do caminhão. Será que os flanelinhas foram seduzidos assim para a morte? Delirius burguesis!
Dos novos produtos do comércio de rua, a mais esdrúxula novidade, são perfumes vendidos em bandejas de isopor cobertos com plástico transparente, como frutas! Cheirar, nem pensar! “Olha o vale. Olha o vale! Cartão pra celular! Cartão pro orelhão! (chavão da mulher, vendedora de meias coloridas)
Iniciei alguns papos comerciais tipo “Quanto custa? Bonito, heim!”, mas não consegui desenvolver o assunto. Pensei em me travestir de pesquisadora e argüir sobre problemas no comércio de rua. É sempre mais fácil ser outra! Numa loja, ouço:
- Bom dia gente. Eu tô na correria aí atrás de emprego. Será que não tem uma vaga aí? Eu trouxe o meu currículo!
- Deixa aí, mas agora não tem nada não.
- É que eu tô na precisão. Minha filha tá doente. Eu faço qualquer serviço. Me dando um salário, eu faço qualquer serviço”.
No orelhão uma mulher ao telefone é esperada pela filha na cadeira de rodas – Sarah – Reabilitação Infantil. A vida é frágil! “Vale e tique! Vale! Vale!” Me sento. Já deve estar perto da hora marcada. Sento pra descansar. “Moça, posso te fazer uma pesquisa? É rápido. Só cinco minutos: Quantas televisões, freezers, geladeiras, vídeo cassete, banheiro etc, a senhora tem em casa? Dos produtos que sua mão usava, qual te vem à mente?” Bombril!!! “Como você se sente usando esse produto?”Eu adoro, me sinto super realizada. Bombril pra mim é tudo! A moça fica feliz com a resposta e me mostra fichas, quadros, tabelas e por fim devo colocar as fichas com adjetivos (de gente) nas tabelas referentes aos produtos: MINUANO OMO BRILHANTE PINHO SOL IPÊ MON BIJOU. É uma pesquisa louca! Delicada, idealista, sensual, confiável, decidida, discreta, carinhosa, ambiciosa, agressiva, dependente, apagada, arrogante, fútil. E eu me pergunto: Se Pinho Sol é fútil, eu seria o quê? No início, tento criar uma lógica. A mulher tá colada em mim. Oba! Pintou outra freguesa. Aproveito e espalho aleatoriamente as fichas pela tabela enquanto anoto alguns adjetivos no caderno. Acabou, né?! Me levanto decidida.
Olho pro estacionamento e não vejo a Kombi. Ué? Ando mais adiante e nada. Que estranho! Vou até o orelhão. Nada! Não aceita ligaçâo a cobrar. Outro e nada! Oba! Cartões telefônicos. Não dá. Que absurdo: Quatro reais o mais barato. Eu só tenho 3 reais. Outro orelhão. Consegui! Caralho! Estou acima do local combinado e atrasadíssima. Me vem uma sensação infantil de “fiz merda e vou levar bronca". Puxa, depois de me divertir tanto! Vou descendo a rua tentando criar uma cara menos culpada. Chegando lá, estavam putos, claro, mas não demonstraram. Que bom, uma bronca naquele momento estragaria o resto do meu dia! Se bem que lá pelas tantas ouvi: “Já era de se esperar!” Que fama! Sabe, talvez aos 32 anos eu deva mesmo aproveitar essa fama e deitar e rolar na cama. Doido pode tudo!