Os últimos acontecimentos têm me feito refletir muito. Coisinhas do cotidiano que se tornam grandes no "de dentro"... E gostaria de compartilhar com vocês minhas angústias otimistas.
A forma como lidamos com os conflitos coletivos, pessoais e amorosos, e principalmente, o modo que encontramos para lidar com nossa própria afetividade vai mal. Há praticamente três anos, nosso grupo vem falando incessantemente do "resgate do feminino". Por mais abstrato que pareça o termo, lá no fundo, nós mulheres sabemos muito bem o que ele significa. Sabemos as mudanças que ocorrem quando estamos centradas em nós mesmas, quando baixamos a ansiedade e podemos ouvir a voz do coração, da intuição, da ovulação, dos sonhos... Quando paramos a máquina de fazer e permitimos o sentir.
As crises e os conflitos nos perseguem cotidianamente, desde os pequeninos até os mais cabeludos. Estamos sempre lidando com eles, que, de fundo, são exercícios pra nos fazer amadurecer. Mas ainda, na maioria das vezes, o tal feminino nos escapa e por mais que a intenção seja boa, a forma é um horror. Conflitos com amigos, amores, filhos, trabalho, conflitos internos, medos, sentimentos de solidão e abandono... Estes últimos tão profundos e dolorosos que acabamos travestindo-os de raiva, ou alguma outra emoção mais forte. Afinal, "o importante é não demonstrar nossa fragilidade!" diria a voz da razão. No entanto, está aí a saída. Assumirmos nossas fragilidades, nossa humanidade! E mais, assumirmos nossas expectativas e projeções secretas em relação aos outros, pois são elas que nos afastam de quem gostamos. Esperamos muito dos outros e muitas vezes esquecemos de perceber o quanto estamos nos dando pouco.
As pessoas se separam cada vez mais. Podemos perceber aí uma certa banalização do casamento, mas por outro lado, há também uma sincera necessidade de crescimento, de dar um salto qualitativo em termos de entrega, de cumplicidade. Muitas vezes, a separação é uma possibilidade de abalar as rígidas estruturas construídas ao longo dos anos, trazendo alguma esperança de mudança real. Porque infelizmente nos acomodamos por muito pouco, porque temos um lado extremamente preguiçoso e medroso, que nos faz optar pela mentira, por “abafar o caso” ao invés de encarar a forte e dolorosa verdade. Ser quem se é, é um exercício de descoberta constante. E, infelizmente, em nome do “amor”, muitas vezes, deixamos de ser quem somos.
Se o amor é feito de duas partes integras (como no desenho do yin e do yang), quando uma das partes está rachada, toda a estrutura desmonta. Muitas vezes, notamos, nas várias relações de amor que nos cercam, que ambas as partes estão rachadas, fragilizadas. Terreno fértil para a projeção. Passamos então a cobrar ou a pedir do outro que nos dê o alento para tapar nossos buracos. Trágico engano! Essa é uma tarefa individual. Daí, muitas vezes, a separação pode ser um caminho de crescimento onde cada uma das partes busca se reconstituir, se fortalecer, descobrir o que se é (afinal a vida é para o que se é) para então permitir a reunião com o outro. Aí sim, duas partes compartilham de verdade!
Como típica libriana, as relações de trabalho e as amizades são também casamentos pra mim. E muitos deles também vão mal. Vão mal pelos mesmos motivos acima citados. Por isso eu uivo pra lua: “Cuidemos mais de nós!”. Essa é a semente para toda e qualquer mudança. Olhemos para a nossa criança interna ferida, para a nossa mulher faminta, para nosso homem bobo e infantil ou para o machão sanguinário, para a bruxa vingativa, para a velha sábia... Cuidemos mais de nós! Mergulhemos na solidão interior e cuidemos dessa gente faminta que nos habita!
Achei tão bonito quando os homens (nossos amigos e parceiros) passaram a se encontrar para discutir e assuntar sobre o masculino. Uma luz no final do túnel! Homens se mobilizando em relação a questões afetivas. Sem dúvida, um sinal dos tempos, dos novos tempos. Estamos todos no cume de um momento histórico decisivo. Os padrões rígidos estabelecidos sobre o modelo de comportamento feminino e masculino “adequados” estão caindo por terra. Não há mais um modelo a seguir. Perdidos, olhamos a nossa volta, desesperados em busca de um modelo. Não há mais modelos externos. Há sim um modo de ser, homem e mulher, que só encontraremos dentro de nós.
A mulherada queimou o sutiã e vestiu a gravata. Os homens jogaram a gravata fora e não colocaram nada em seu lugar. Mulheres masculinizadas e homens sem forma. Mais uma vez, crise e conflito para nos fazer crescer. O primeiro movimento foi um grupo só de mulheres, o segundo um só de homens, movimentos pertinentes e necessários. Cada parte se revendo, individual e coletivamente. Mas está perto o terceiro movimento, onde homens e mulheres, sem máscara, e sem esconder as fragilidades e medos, poderão compartilhar aquilo tudo que descobriram na sua solidão de gênero.
Feminino e masculino são partes do mesmo todo. Sua separação possível é meramente didática, não orgânica. Espero que possamos conversar, olhando lá no fundo dos olhos (pois só aí perceberemos o quanto somos iguais na dor) sobre o que tem sido ser humano para cada um de nós. Aquelas(es) que estão atrasadas(os) ou amedrontadas(os), corram, corram para dentro de si mesmas(os). Revejam-se. Cavuquem no “de dentro”, cuidem das feridas internas, resgatem sua integridade primeva. Pois o terceiro movimento é vem chegando. Mas...
“Mas nas águas desse rio só entram seres inteiros, pois é o reino dos deuses e não entram forasteiros. Só então a meia noite é que se pode tentar, pois é mesmo nessa hora que as duas almas de outrora, voltam a se encontrar, formando um só ser, que dá gosto de olhar”.
Encontros de seres humanos para dançar, cantar, contar histórias, trocar experiências de vida e compartilhar a sabedoria humana. Aguardo com fé!!!
(Texto escrito para o meu amigo Adriano.)