Umbigo de Eros

Te convido para sentar no sofá vermelho de Eros... Vamos escarafunchar os Umbigos!

"Cada pessoa deve escolher quanta verdade pode suportar".Friedrich Nietzche



Em algum lugar, perdido no tempo, jazia montado O Circo dos Prazeres. O ingresso, baratinho, oferecia desde a entrega carnal arrebatadora até a expressão dos afetos mais dolorosos e doentios. Ali, tudo era permitido, e talvez, instigado. Libidos obscurecidas pulsavam se esparramando por quem se aproximasse. 

A Mulher Barbada era a atração principal! Por sua esquisitice, acabava atraindo para seu leito, os homens mais estranhos, aleijados físicos e psíquicos. Sua estranheza acolhia a estranheza alheia. Sua pele estava impregnada da dor dos homens, que também era a sua. Seus ouvidos, sempre abertos às palavras vazias. Seu corpo, submisso, recebia nada. Havia intimidade, nada íntima. E entrega, nada entregue. Nada. Nada era o que parecia. Talvez a regra implícita fosse exatamente essa: falsear, auto-enganar-se. Quanto mais os homens se expunham, menos se mostravam. Quanto mais a Mulher Barbada se dava, menos se abria. Em seu leito, toda a impossibilidade dos homens. Em seu leito, os fantasmas dos outros eram aquecidos com lençóis de ilusão, ninados feito bebês.

Um dia, inesperadamente, a Mulher Barbada levantou de sua cama, exausta, como se houvera carregado pedras por toda a vida... E, num ato corajoso e desesperado, retirou a barba à navalhadas. Destruiu seu sustento. E deflagrou, sem saber, uma outra rebelião: Seus cabelos, cansados da falta de afagos, se lançaram ao chão. A pele, desejosa de afeto, murchou e feneceu. A língua, sedenta de beijos de amor, envenenou-se. O coração, faminto de paixão, ralentou suas batidas. Sentiu-se vazia, seca, fraca. E caiu, exausta, como se houvera carregado pedras por toda a vida...

Viu-se caveira, de ossos brancos e reluzentes. Estendida na terra úmida. Desejou profundamente renascer. O primeiro desejo que já se permitira... E desesperada, cantou, cantou sobre os ossos, cantou com a alma, que nem sabia que tinha. O som melodioso da sua voz, que também não se sabia assim, foi penetrando os ossos, fazendo-lhes cócegas, brincando de acarinhar... E porções de carne, pele e pelos foram, lentamente, surgindo e recobrindo os ossos. Quanto mais cantava, mais vida surgia até que um novo corpo, simples, nu, verdadeiro, brotou. Levantou. Sorriu. Correu, correu muito. Correu livre. Correu possível.

Namastê
Anasha