Vivemos hoje um ritmo de correria diária, onde, muitas vezes, o afeto fica de lado. Em geral alegamos que isso se deve a falta de tempo. Quantas vezes, nos corredores dos prédios residenciais, nos elevadores, no trabalho cruzamos com pessoas como se elas não existissem? Boa tarde, boa noite, obrigada, por favor, com licença, seguidos de um olhar (é claro), são práticas que vem se perdendo dia a dia. Essa auto-reeducação nos cabe, além da educação de nossos filhos. E a falta de tempo não pode ser justificativa para tal desleixo, já que nesses casos estamos ali cara a cara com alguém. A questão então me parece mais relacionada ao tempo interno do que ao tempo cronológico. Nossa disponibilidade interna para o afeto está precisando de incentivo. Esses exemplos, embora intimamente relacionados à certa dose de inteligência afetiva, estão diretamente relacionados à educação social.
Mas o que me impele mesmo a escrever hoje é a educação afetiva. Fico pensando nas datas comemorativas da nossa cultura: dia dos pais, dia das mães, dia das crianças, dia dos namorados... Datas intimamente relacionadas ao mercado de consumo, eu sei, mas não só. Podemos extrair-lhes o aspecto construtivo. Penso nos rituais perdidos no tempo onde o papel ou a função de alguns dentro da tribo ou grupo ganhava destaque e homenagem numa valorização coletiva. Talvez essas datas comemorativas, simbolicamente, tragam também esse aspecto. No mínimo, são estímulos externos que podem servir para o exercício do afeto.
Não estou aqui fazendo uma campanha a favor de comemorarmos tais datas, mas apenas aponto-as como um dos caminhos para o exercício da afetividade. Não há hora nem momento para se demonstrar carinho por alguém, mas se existem, culturalmente, dias especiais para certas pessoas, porque não vivê-los? Eles podem ser sim território ritual de muitos resgates... Mas podemos também inventar muitos outros, até que nos caia a tão esperada ficha da sacralidade e da riqueza presente em todos os momentos da vida.
Talvez existam pessoas que não sintam falta de demonstrações de afeto (embora eu prefira pensar que não existam tais pessoas). Mas para a grande maioria, um abraço gostoso, um poema, um elogio, uma flor, um telefonema, um desenho ou um presente, fazem corpo e alma sorrirem juntos! Nós adoramos, nos faz bem, nos anima (nos enche alma).
Retirar-nos e aos nossos filhos desse egocentrismo alienante, que nos coloca numa posição confortável onde sabemos muito bem receber, mas onde nunca há tempo para o dar, é tarefa urgente. Em qualquer relação de amor, de amizade, de trabalho, há que se ter sensibilidade para reconhecer a existência do outro. E cabe, a nós, como pais em mães estimular a afetividade em nossos filhos.
Quando ainda pequeninos, eles imitam o que nos vêem fazendo e vivendo, como nossos afetos. Adoram nos ver beijando, abraçando, porque essa imagem os alimenta da certeza de que também podem expressar seus afetos. Assim como também é importante que nos vejam chorando, expressando raiva enfim, porque isso também os habilita para tal.
Os pequenos curtem muito criar presentes, surpresas e desenhos para oferecer a quem amam. Assim, como adoram o dia de seus aniversários, onde sua importância e o grande amor que inspiram, têm destaque no grupo do qual fazem parte. Eles crescem um pouco mais, e nós como educadores afetivos, os lembramos de ligar para a vovó para expressar-lhes seu carinho, ou sugerimos um abraço um pouco mais caloroso no papai que anda meio tristinho, ou a preparação de uma surpresa para alguém de quem gostam. As possibilidades são infinitas. Desse modo, nossos pequenos vão crescendo e conhecendo o outro lado das relações, o de quem dá, alargando-se para além da posição dos que apenas recebem ou sofrem a ação do amor.
Espero, um dia, receber um maravilhoso elogio de minha futura nora ou talvez ver-lhe estampado na face um regozijo profundo pelo afeto que recebe do homem amoroso que é e será o meu filho. E espero mais ainda ter a lembrança de minhas demonstrações de afeto gravadas na pele dos que amo! A todos e todas, meu abraço gostoso, daqueles de barquinho (que faz os corpos balançarem pra lá e pra cá, num aconchego delicioso).
Afeto
[Do lat. affectus, us.] Substantivo masculino. 1.Afeição por alguém; inclinação, simpatia, amizade, amor: “amou-o assim como se amam as coisas belas, e o afeto de que o envolvia propagou-se em redor” (Rute Bueno, O Livro de Auta, p. 33). 2.Objeto de afeição: Doía-lhe estar ausente do seu afeto. 3.Psicol. O elemento básico da afetividade (2). 4.Psiq. Estado emocional ligado à realização de uma pulsão (2) que, reprimida, transforma-se em angústia ou leva à manifestação neurótica.