Umbigo de Eros

Te convido para sentar no sofá vermelho de Eros... Vamos escarafunchar os Umbigos!

Violeta se Fue a los Cielos, é um filme pra ser visto. Mas não espere dele a suavidade da voz de Violeta Parra, pelo contrário, já que, ainda que belo, o filme é forte, denso, pesado até. Apesar da agradável e amorosa companhia ao meu lado, sai do cinema de ombros enrigecidos. A atriz que faz a protagonista não apenas guarda impressionante semelhança com Violeta, como a encarna visceralmente numa atuação perturbadora!

A fotografia traz paisagens áridas do interior do Chile, (também metáforas do mundo interior de Violeta), que,  peregrinou pelos interiores de seu país, colhendo narrativas e histórias del pueblo, numa incansável e penosa luta por preservar e divulgar o folclore chileno. Teve infância pobre mas cheia de amor, pareceu. Trabalhou desde muito cedo com seus irmãos, primeiro acompanhando o pai, músico popular, professor e boêmio beberrão, depois tocou com os irmãos por ruas e festas populares, até alcançar carreira-solo. Queria cantar à sua maneira e o fez. Letras duras sobre pobreza, opressão, revolta e beleza. 

O filme baseou-se em livro escrito pelo filho de Violeta, daí também um certo mal estar pelo olhar duro e verdadeiro com que ele retrata a história da mãe. Lembrei da biografia que Simone de Beauvoir escreveu após a morte de Sartre, onde expôe suas verdades inconvenientes, seus "defeitos". Para alguns, uma vingança pelas inúmeras "traições" de Sartre, para outros, apenas fidelidade ao pacto que mantiveram durante toda vida, de priorizar a verdade e a sinceridade acima de tudo. Violeta tinha ética similar.

Violeta guardava em si uma dureza excessiva, que, segundo a narrativa do filme, parece ter afastado de sua vida o amor. Apaixonada por um homem mais novo, o filme mostra sua crise ao envelhecer, o que pode parecer fútil diante das grandes lutas que travou. Numa das cenas, Violeta olha no espelho sua barriga flácida. Embora não parecesse vaidosa, como que evitando a mulher em si, Violeta parecia perseguida pelo próprio feminino que reprimia... Do mesmo modo, travava lutas coletivas abafando o  individualismo, mas seu ego era mais forte. Aquilo que mais negamos, nos assombra.

Violeta se mata aos 50 anos, na Tenda de Cultura Popular, sonho que conseguiu colocar em prática, ainda e sempre, no intuito de valorizar e divulgar o folclore chileno. A proposta durou pouco, aparentemente devido ao seu gênio difícil. Violeta Parra pareceu uma mulher muito pesada e inflexível. Fui xeretar seu signo, e qual não foi meu espanto quando vi que ela nasceu um dia depois de mim... Libriana... De todo modo, saí do cinema com vontade de abraçá-la, colocá-la no cólo, fazer carinho... Hay que endurecer, Violeta, pero sin perder la ternura, mi amor!

Segue o trailer do filme que ganhou alguns prêmios
Namastê
Anasha

O amor vem. 
E vai. 
Vem o luto. 
Depois reelaboramos o amor findado
Nos despimos dele
Questionamos se foi amor mesmo ou paixão
Extraímos os aprendizados (ou não). 
Daí é renascer das cinzas e recomeçar do zero possível. Momento mítico! 

As paixões nos tiram do passado e nos fazem mergulhar no presente, incondicionalmente. Em verdade, no corpo. Paixão que se preza não vem com ilusões de futuro. A carne é tomada de loucura tamanha que não há tempo interno pra conjecturas e sonhos. O calor é muito e quer ser gasto imediata e irracionalmente agora! Talvez por isso a paixão vicie... 

"Todo aquele que sabe
Separar o amor da paixão
Tem o segredo da vida
E da morte no seu coração".
Paulinho da Viola

Será mesmo a paixão, emoção imatura diante do amor? O amor é outra história? Seu mistério maior? O amor nasce da paixão? Paixão e amor co-habitam? A paixão é possível no amor? Junto com o amor tem esse desassossego, isso de pensar o amor... Tem? Erro besta, bobo, meu e de uma pá de gente interessante. Platão, Goethe, Cervantes, Sarte e Simone, Balzac, Drummond, Chico, Paulinho... O livro de Leandro Konder,  "Sobre o amor", traz a perspectiva desses autores, recomendo.

"Não é Amor amor se não vier com
 doudices, desonras, dissensões,
pazes, guerras, prazer, desprazer,
perigos, línguas más, murmurações (...)."
Camões

Penso nos contrastes entre o amor de Sartre e Simone buscando liberdade e verdade (entre o  amor essencial e o contingente, como diziam) e o amor romântico do casamento tradicional. Muitas de nós, mulheres do agora, estamos bem nesse hiato e talvez, carregando andrajos dos dois: as inconscientes inseguranças do primeiro e as neuróticas cobranças do segundo. Neste início de século 21 quais os novos caminhos pro amor?
"Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor.
Mentira".
Chico Buarque

Amor, esse de querer o bem do outro, de admirar, de observar aquele diferente ao mesmo tempo tão igual, de aprender, amadurecer, desabrochar e ampliar-se com a perspectiva do outro... De acordar o seu melhor... De querer ajudar, compartilhar, viajar... De trocar afeto, carinho, cuidado, atenção... O outro, ao permitir nossa entrada em sua vida, abre outras dimensões, em nós, nele, e no próprio amor. Pequenas grandes éticas só aparecem nas pequenas enormes situações do cotidiano: nas idas à padaria, no preparo da comida, na escolha dos ingredientes, na organização da casa, no modo como se passa manteiga no pão... 
"O amor é a forma mais radical de ir ao outro". 
Goethe

O amor é algo que nos acontece independente de nossa vontade, ou é algo que acontece na nossa vontade? É preciso não pensá-lo pra poder vivê-lo? Será que, no século XXI, tememos o comprometimento exigido pelo amor? Ou tememos as inevitáveis atualizações que ele nos ocasionará? Tememos abalar as individualidades tão recentemente adquiridas (em termos históricos)?
''O amor não prende, não aperta, não sufoca. 
Porque quando vira nó, já deixou de ser laço...''
Mário Quintana

Um encontro sem amarras, sem pressão, respeitando profundamente nossa verdade e a do outro... Talvez gostar seja o vislumbre possível pro nosso hiato hoje. Falar, pensar, citar o amor hoje nos exaure. Estamos por demais virtualizados. E o amor pede realidade concreta! Gostemos então! Pode ser embrião de muitos outros sentimentos... Importa não escorregarmos na ilusão do acoplamento ontológico comprado do romantismo... É lícita essa necessidade de nos sentirmos especiais, muito especiais pra alguém? Deveria bastar-nos sermos especiais pra nós mesmos? Queremos ser o grande amor da vida de alguém? Queremos um grande amor? Existe pequeno amor? 

  "O curso do verdadeiro amor nunca foi sereno".
Shakespeare 


E daí vem o Neruda com essa: "Se sou amado, quanto mais amado, mais correspondo ao amor. Se sou esquecido, devo esquecer também. Pois o amor é feito espelho: tem que ter reflexo." Complicado! O espelho, por vezes, embaça e não enxergamos o amor que sentem por nós, nem o que nós mesmos sentimos. E muito menos percebemos quando acabou... E passamos do ponto.
"O amor me dá medo, me deixa burra".
Simone de Beauvoir

No dicionário, sobre o verbo namorar se diz: "Fazer galanteios amorosos. Procurar inspirar amor". A wikipédia diz que o namoro é uma vivência com um grau de comprometimento inferior à do matrimônio. Hum, será? E que, a grande maioria utiliza o namoro como pré-condição para o estabelecimento de um noivado ou casamento. Mas será o namoro, necessariamente, a fase anterior? Não pode ser o estado das coisas? Coincidentemente, hoje é dia dos namorados, na falta de palavra apropriada, e talvez, na contramão das minhas elucubrações anteriores, meu coração te pergunta: Você quer inspirar amor comigo?
" O melhor relacionamento é aquele em que o amor 
de um pelo outro é maior do que a necessidade 
de um pelo outro". 
Dalai Lama
Namastê

Anasha

Encontrei essa critica ao filme Drive, que faz as referências a outros do gênero, aponta qualidades e conclui tratar-se de "puro fetiche", afirmação com a qual concordo. Minha intenção aqui é  complementá-la com o olhar feminino sobre e no filme.


Drive tem uma estética bem anos 80, e vale especialmente pela interpretação de Ryan Gosling, já que o roteiro é meio insosso e não traz surpresas. Desde sua brilhante atuação em "O diário de uma paixão" (um dos filmes de amor mais bonitos dos últimos anos), o ator vem se mostrando um dos melhores da nova safra. Destaco ainda a personagem da mocinha do filme (interpretada pela atriz Carey Mulligan) a única mulher que tem voz mas não a usa: Se cala, perplexa, paralizada, na total incompreenssão diante do misterioso e violento universo masculino. Tocantes as cenas onde seu olhar expressa muito mais do que as palavras poderiam. Num misto de desejo, medo e falta de sentido, talvez seus olhos aguados e desesperadamente brilhantes, traduzam a mulher diante da brutalidade, do ódio e da violência, que, muitas vezes, mora no homem, e vem à tona sem aviso e de forma descompensada e desmedida.  

Forte e emblemática é também a cena onde o herói invade o camarim de uma casa noturna, onde há mulheres semi-nuas, com seios à mostra. Mulheres de uma beleza tão perfeita, que parecem feitas de cera. No entanto, estão totalmente imobilizadas diante da pancadaria e do sangue que come solto ali. Belas e estáticas como manequins. O feminino é enfeite/objeto/fetiche no universo do homem, assim como os carros, as roupas e as diferentes e inesperadas formas de matar/machucar. Neste cenário, o revolvér é objeto antiquado e nem aparece, ainda assim, a matança é sangrenta. Mas, o metal, forjado no fogo e tão representativo do universo masculino, aparece em facas, punhais, gancho e martelo.

Vencedor em Cannes como Melhor Direção para o dinamarques Nicolas Winding Refn, certamente um filme que toca muito o imaginário dos homens, mas, talvez não diga muito as mulheres. De algum modo, ele guarda sua beleza.

Duas curiosidades: Albert Brooks, figura hilária de muitas comédias dos anos 80, faz o papel de um bandidão da pesada (maculando meu imaginário anterior sobre ele). E o filme parece ser uma refilmagem de um sucesso de James Dean, como mostra a imagem abaixo. Chequei, mas não consegui confirmar.



Namastê
Anasha

Escrevo sob o impacto do filme Another Earth. Muitas lágrimas e emoções, vindas, certamente, da Outra Terra que há em mim... Hoje, é disso que o filme falou, pra mim. Amanhã, com certeza, será uma nova leitura, já que se trata mesmo de um grande filme, com um grande tema, amplo, profundo, quase indizível. Uma obra de arte dessas que nos conduz, de um modo muito visceral, às grandes questões da existência: Morte, Amor, Culpa, Reparação, Transformação, Impermanência, Beleza... O filme mostra como aquilo que há de mais vivo em nós só se faz visível nos momentos de profunda morte. 

O diretor Michael Cahill, denomina-o como "um drama de ficção científica indie épico minimalista", talvez tentativa de alargar o conceito do filme, realmente amplo nas questões que aborda. A história gira em torno da descoberta de um novo planeta, uma espécie de Terra duplicada, onde tudo daqui é reproduzido e espelhado, inclusive nós todos. Uma missão é montada e pessoas se candidatam a viajar até lá, exumando perguntas ontológicas, que, de fundo, podem resumir-se numa única: O que eu diria/faria ao encontrar comigo mesma? Se houvesse esta possibilidade, eu gostaria muito de me olhar com o carinho, condescêndencia e curiosidade com que olho o outro. E sob privilegiada perspectiva, e percebendo, profundamente, minha beleza e meus dons, me apaixonar perdidamente por mim... E cessaria a divisão. E viveria, finalmente, numa única terra... Enfim, A Outra Terra me fez viajar.

Os protagonistas sofrem perda irreparável: Ele, a família, ela, a garota que fora antes de causar o acidente fatídico que matou a família dele. Interessante acompanhar os trajetos internos de ambos, em meio a paisagem externa sempre nublada. Seria metáfora da falta de sentido da vida? Desses momentos quando os matizes das cores entram em greve e tudo se faz e se vê insosso, sem sabor, sem vida? O cinema tem dessas coisas... Os dois são lançados ao duplo em si, já e sempre presente, mas até então, invisível (ou visível em sua analogia com o planeta que veem a olho nu tão próximo da Terra). A sombra, o obscuro e desconhecido, é trazido à luz juntamente com a própria luz, a mais límpida e sagrada que guardavam escondido na Segunda Terra em si... Ela, do choque e da culpa, e ele, do choque e do ódio, alcançam, por caminhos internos distintos e misteriosos, o amor. E, talvez só tenham alcançado porque não o buscaram, já que o amor enredou-os, costurou-se neles a partir do umbigo de uma outra Terra...

Também interessante e, de novo, constrangedor, acompanhar a dicotomia amor-ódio no protagonista, que se vê amando (sem saber, numa espécie de cegueira simbólica) aquilo que acreditava mais odiar: A pessoa que matou sua familia. Assim, a lógica e a razão acusam sua própria insuficiência exumando os mistérios da vida e do próprio amor... 

Mas o personagem mais interessante do filme é mesmo o faxineiro indiano, Purdeep, cego (realmente) e também muito sábio, de uma sensibilidade absurda, capaz de sentir e perceber para além do conhecido. No desenrolar da trama ficamos sabendo que sua cegueira foi causada por ele mesmo (Cansou-se de se ver em todo lugar), assim como a eminente surdez, já que ele joga alvejante nos ouvidos tornando-se surdo. Numa das cenas mais belas do filme, vemos que, ainda assim, ele segue, para sua agonia, vendo e ouvindo, de outros modos, exalando o perfume sutil dos sentidos escondidos por traz dos sentidos... 

E você, o que você diria pra si ao encontrar consigo mesmo(a)? 

Segue o trailer do filme:http://www.youtube.com/watch?v=N8hEwMMDtFY

Namastê

Anasha