Umbigo de Eros

Te convido para sentar no sofá vermelho de Eros... Vamos escarafunchar os Umbigos!

Ler um bom livro é viajar longe. Voares altíssimos. Pra dentro, pros sertões nossos. Vivência tanto profunda quanto solitária. Um bom livro transforma. E transformação é troço solitário. E um bom livro é também muito perigoso assim como "Viver é muito perigoso", diz Guimarães-Riobaldo, em Grande Sertão Veredas. Viver à dois, perigo dobrado. Leitura à dois, vôo às escuras.

Minh'alma é tímida. Levei anos pra perceber e respeitar isso em mim. Tem coisa que só sai íntegra, vinda das profundezas mesmo, quando tô só, completamente só. Embora tenha tentado com afinco fazer isso em cena, acho que consegui poucas vezes. Cantar profundamente, com emoção, por exemplo, é solitário pra mim. O Outro me esvazia da inteireza que só a solitude me dá. E da voz que só é aquela na solitude. Ler livro é emoção solitária também. Achava. Sobretudo ler em voz alta. Ler mesmo, de verdade, deixando-me levar pelas palavras e movimentos do texto, sendo arrastada pelas emoções contidas ali, e, em mim... É viajar pra muito longe. É escancarar-se demais.

Tem uma eu que só eu vi, verei e vejo, que só aparece comigo, pra mim. Uma eu só minha. E isso é parte do mistério de tudo.

Mas... Desachei. Que ler livro é coisa solitária. Ler um bom livro à dois, mantendo a profundidade da solidão é puro mistério. Fundamenta a relação numa outra dimensão. Chora-se. Ri-se. Sofre-se, dos profundos. Leva tempo e pede entrega e confiança. Muda tudo. Almas nuas frente a frente. 

Ler na presença dele. Ler com ele. Ler para ele. Ao vivo ou por telefone, ritual novo, abençoado, sagrado. Ler esquecida da presença dele, e, de repente, lembrada, vergonha funda. Que ameniza mas nunca passa. Parte do mistério de tudo.

Ao início. Lemos "Os trabalhadores do mar" e seu autor preferido. Me apaixonei perdidamente por Gilliard, instinto e força em sua pureza brutal. Me vi, o vi, seu autor preferido conta dele pra mim. Me aproxima do inexplicável, terrível, maravilhoso e único desse que amo. O mais sólido em ímpeto, constância, altivez, entrega e amor. Depois, "Os Miseráveis", o século 19 e suas estruturas, o miudinho do humano visto por um olhar social, antropológico, poético. 

E então, "Grande sertão: veredas", lido e relido por ele inúmeras vezes. Eu, em primeira vez, me vendo Riobaldo, Diadorim, sendo sertão... Vou me identificando, me vendo no outro ali, e de repente o jogo vira e Riobaldo me escapa. E nasce "o meu Riobaldo", "a minha Diadorim", criados da mistura das projeções minhas com as invencionices de Guimarães. Reflito sobre ética, constância, caráter, amor, entrega, coragem, medo, fidelidade, liberdade... E vejo ali o mais integralmente amado dos homens que tive. Ele me motiva, me orgulha, me ensina, me cresce e me expande de mim mesma. É bem isso o amor, na essência. Não o sabia, no antes. Agora sei, Ser Tão a gente, e ainda assim eu mesma. 

“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. 
Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar 
as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E
 o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. 
Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar 
essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não 
simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do 
que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”

Amyr Klink

Anasha Gelli