Recebi muitos emails solidários de mulheres, algumas emocionadas e identificadas com a camelisse em si e outras indignadas, solicitando que eu matasse de uma vez essa tal “mulher-camêlo” – metáfora da mulher carente que me habita, entre tantas outras. Mas a coisa não é tão simples assim.
Em primeiro lugar, segundo minha filosofia, baseada no pensamento junguiano, tudo o que aparece na nossa vida tem lá sua importância e um sentido, muitas vezes oculto, que tem algo a ensinar. Segundo, a camelinha faz parte de mim, me constitui e se ela deu as caras, é porque tá precisando de atenção, de cólo e principalmente, de espaço pra se expressar positivamente. Afinal, só há sombra porque há luz.
Por traz de sua extrema carência, chatisse, controle etc e tal, a mulher-camelo guarda uma luz forte, quente e revigorante. E também uma enorme capacidade de entregar-se e de amar, com integridade e profundidade, de modo livre e, ao mesmo tempo, aconchegante. E certamente, seu avesso de luz não habita o deserto e sim a terra fértil, abundante, colorida e auto-suficiente do seu próprio corpo-mundo. Nesse universo, um outro entra, não pra tapar buracos ou complementar nada, e sim pra curtir junto, simplesmente.
De modos variados, venho entrando em contato com muitas dessas gentes que me habitam. Sombrias ou iluminadas, essa gente faz parte de mim, seja porque já as trouxe comigo, seja porque as assimilei durante a jornada. Assim, sigo brincando com a teoria junguiana, inventando novos modos de jogar com as técnicas, criando novas, que favoreçam a expressão dessa galera interna. E assim, a assassina sanguinária incorpora também sua fragilidade e medo profundo e chora feito criança; a medrosa, cagona quase paralizada desnuda sua força e coragem; a mal-humorada, raivosa e bélica encontra espaço para pedir cólo, carinho, contato, desmontando a couraça, e se permitindo mostrar sua dor. E assim, sigo liberando as vadias em marcha, dentro de mim!
Semana passada, vi um montão dessas gentes, saídas de outras mulheres. Finalmente libertas, mostraram sua escuridão e, na sequência, tanta luz e beleza que nos deixaram surpresas. Então, recebam com carinho o obscuro que lhes habita, que com certeza, só vai brotar coisa bonita!
“A abundância é escavada da abundância,
e ainda assim a abundância subsiste”
Upanishads
Namastê
Anasha
junho/2011