Umbigo de Eros

Te convido para sentar no sofá vermelho de Eros... Vamos escarafunchar os Umbigos!

Assisti ao filme Verônica e gostei muito. Li várias críticas, a maioria elogia a atuação de Andréa Beltrão, que achei primorosa, e reclama do final inverossímil, no que discordo. Sou amante e não crítica de cinema, e nesses anos de amor o que tenho notado é que, gostar ou não de um filme, depende não apenas do filme em si mas do meu estado de espírito naquele momento. Quantas vezes recomendei um filme que amei, e que ao rever, num estado de espírito mais tranquilo, achei água com açúcar!? Ou possuída de mau humor, desgostei de muito filme incrível, que tive a sorte de rever pra amar?! Ou então, tomada de desejo, paixão ou coisa do gênero, com o objeto de desejo ao lado, nem pude prestar atenção a filme algum, por mais interessante que fosse!? Devo logo confessar: Apertei o play naquele estado de cansaço corporal de quem acaba de menstruar, querendo ficar quietinha na cama e suscetível ao choro...

O que mais me chamou a atenção no filme foi a jornada mítica vivida por Verônica, uma mulher comum, insatisfeita com seu trabalho, com sua vida, sem grandes perspectivas, entrando na meia idade e na metanóia da vida! Metanóia vem do grego e significa arrependimento, conversão (tanto espiritual como intelectual), mudança de direção e de mente; caráter trabalhado e evoluído. Jung retoma o termo para indicar a transformação psicológica que se dá na meia idade (depois dos 40-45 anos) quando há uma inversão radical de todos os valores que nos pautavam anteriormente.

Na primeira metade da vida nosso ego está no comando da aventura: Busca realizações, desejos, posições, status, profissão, relacionamentos, casa, casamento, bens materiais, filhos e etc e tal. Já na segunda metade o danado vai baixando a bola, dando lugar pro Self, que passa, ou deveria passar a nos guiar. O Self ou Si Mesmo guarda todos os nossos potenciais não desenvolvidos, toda a vida não vivida, que eclode e flui de dentro pra fora.

"A metanóia exige uma espécie de transgressão, por provocar muitas transformações tanto nos comportamentos quanto no pensamento e no caráter das pessoas, produzindo rompimentos de valores, relacionamentos e até de visão de mundo. Muitas vezes surge na forma de crise e queixas, fazendo com que os indivíduos repensem seu existir. Sendo que, na base dessa crise está uma experiência simbólica de morte e de renascimento, em direção ao servir. Ou seja, a superação da metanóia, para mim, acontece quando a pessoa encontra o entusiasmo em servir ao Si Mesmo e, conseqüentemente, ao outro. Por isso a individuação é uma meta coletiva", conclui Waldemar Magaldi, meu eterno professor de Psicologia Junguiana.

A metanóia fala da velhice e do próprio envelhecer como possibilidade de desenvolvimento humano e crescimento espiritual. A decadência do corpo (antes tão identificado com o ego) nos leva para além da matéria e nos voltamos pra dentro de nós mesmos. E nesse mergulho, nossa psique passa por profundas transformações diante de uma verdade que a juventude ofusca: morreremos. O passado é reavaliado com serenidade (ou não) gerando (ou não) a aceitação diante de fracassos e erros. E a depressão é comum nessa fase, podendo traduzir uma tentativa da alma de se reorganizar e se fazer notar ou a não aceitação do próprio envelhecer. Atualizar-se é preciso, afinal velhos mapas são inúteis em novas terras.

Toda jornada tem início quando o herói/heroína se encontra estagnado. E algo dentro dele, que se reflete fora e vice-versa, surge como contraponto e devasta aquela vidinha acomodada e insatisfatória, lançando-o rumo a aventura que é a vida, colocando-o em situações que levam ao crescimento interior, na marra! Verônica não foge à regra. Essa professora de escola primária da periferia do Rio não tem gosto e nem paixão por nada, nenhuma paciência com seus alunos, é solitária e tem apenas uma amiga. Sua vida se resume a casa e trabalho. Uma vidinha morna pra lá de sem sal que ganha tempero repentino a partir de um acontecimento cotidiano banal: Um de seus alunos fica só na escola esperando os pais que não chegam.

Verônica decide levar o menino em casa, numa favela no morro. Chegando lá, sente o clima pesado e logo percebe que os pais do menino foram assassinados. E, sem opção (aparente) o leva pra sua casa (faz uma escolha, ainda que inconsciente). Porém, o garoto traz consigo um pendrive que o torna alvo dos bandidos que assassinaram seus pais. A partir daí se inicia um jogo de mocinho e bandido, bem no estilo Cidade de Deus. E em meio a fugas, desespero e adrenalina, vemos o desenrolar do conflito interno de Verônica, que tenta se livrar do garoto ao mesmo tempo que se aproxima cada vez mais dele, afetivamente. Até então nada parecia afetá-la (Afeto = Disposição de alma, sentimento. Amizade, simpatia).

Apesar de conviver cotidianamente com o garoto como professora, é nessa jornada louca que ela realmente o vê, como também a si mesma. Aos poucos, o garoto, com as cores e a curiosidade próprias da infância, a tira de sua alienação e torpor, lançando-a na gangorra do quero-não quero, vivida quando somos pegos de surpresa por um grande amor. A vida pode realmente ficar morna e sem graça, e não há nada melhor pra nos mostrar a força da vida do que conhecer um ser humano que nos afete/toque.

Enfim, Verônica me afetou. No início do filme, sua mediocridade, pequenez de espírito, falta de habilidade com as gentes e sua vida desbotada fazem dela uma anti-heróina. Ela  nos causa uma rejeição imediata já que representa nossa própria mesmisse e falta de coragem. No final vemos nela nossa capacidade de transformação. Me vi naquela mulher desistente que se tornou uma heroína destemida e apaixonada. Verônica deixou-se permear pela vida que nos rodeia, e me alcançou.

Links do filme:

Namastê
Anasha