O que mais me chamou a atenção no
filme foi a jornada mítica vivida por Verônica, uma mulher comum, insatisfeita
com seu trabalho, com sua vida, sem grandes perspectivas, entrando na meia
idade e na metanóia da vida! Metanóia vem do
grego e significa arrependimento, conversão
(tanto
espiritual como intelectual),
mudança de direção e de mente; caráter trabalhado e evoluído. Jung retoma o termo para indicar
a transformação psicológica que se dá na meia idade (depois dos 40-45 anos)
quando há uma inversão radical de todos os valores que nos pautavam
anteriormente.
Na
primeira metade da vida nosso ego está no comando da aventura: Busca realizações, desejos, posições, status, profissão,
relacionamentos, casa, casamento, bens materiais, filhos e etc e tal. Já na segunda metade o danado vai baixando a
bola, dando lugar pro Self, que passa, ou deveria passar a nos guiar. O Self ou Si Mesmo guarda
todos os nossos potenciais não desenvolvidos, toda a vida não vivida, que
eclode e flui de dentro pra fora.
"A metanóia exige uma espécie de transgressão, por
provocar muitas transformações tanto nos comportamentos quanto no pensamento e
no caráter das pessoas, produzindo rompimentos de valores, relacionamentos e
até de visão de mundo. Muitas vezes surge na forma de crise e queixas, fazendo
com que os indivíduos repensem seu existir. Sendo que, na base dessa crise está
uma experiência simbólica de morte e de renascimento, em direção ao servir. Ou
seja, a superação da metanóia, para mim, acontece quando a pessoa encontra o
entusiasmo em servir ao Si Mesmo e, conseqüentemente, ao outro. Por isso a
individuação é uma meta coletiva", conclui Waldemar Magaldi, meu eterno
professor de Psicologia Junguiana.
A metanóia fala da velhice e do próprio envelhecer como possibilidade de desenvolvimento humano e
crescimento espiritual. A decadência do corpo (antes tão identificado com o
ego) nos leva para além da matéria e nos voltamos pra dentro de nós mesmos. E
nesse mergulho, nossa psique passa por profundas transformações diante de uma verdade
que a juventude ofusca: morreremos. O passado é reavaliado com serenidade (ou
não) gerando (ou não) a aceitação diante de fracassos e erros. E a depressão é
comum nessa fase, podendo traduzir uma tentativa da alma de se reorganizar e se
fazer notar ou a não aceitação do próprio envelhecer. Atualizar-se é preciso,
afinal velhos
mapas são inúteis em novas terras.
Toda
jornada tem início quando o herói/heroína se encontra estagnado. E algo dentro
dele, que se reflete fora e vice-versa, surge como contraponto e devasta
aquela vidinha acomodada e insatisfatória, lançando-o rumo a aventura que é a
vida, colocando-o em situações que levam ao crescimento interior, na marra! Verônica
não foge à regra. Essa professora de escola primária da periferia do Rio não
tem gosto e nem paixão por nada, nenhuma paciência com seus alunos, é solitária e tem apenas uma amiga. Sua vida se resume a casa e trabalho. Uma vidinha morna
pra lá de sem sal que ganha tempero repentino a partir de um acontecimento
cotidiano banal: Um de seus alunos fica só na escola esperando os pais que não
chegam.
Verônica
decide levar o menino em casa, numa favela no morro. Chegando lá, sente o clima
pesado e logo percebe que os pais do menino foram assassinados. E, sem opção
(aparente) o leva pra sua casa (faz uma escolha, ainda que inconsciente). Porém,
o garoto traz consigo um pendrive que
o torna alvo dos bandidos que assassinaram seus pais. A partir daí se inicia um
jogo de mocinho e bandido, bem no estilo Cidade de Deus. E em meio a fugas,
desespero e adrenalina, vemos o desenrolar do conflito interno de Verônica, que
tenta se livrar do garoto ao mesmo tempo que se aproxima cada vez mais dele,
afetivamente. Até então nada parecia afetá-la (Afeto = Disposição de alma, sentimento. Amizade, simpatia).
Apesar
de conviver cotidianamente com o garoto como professora, é nessa jornada louca
que ela realmente o vê, como também a si mesma. Aos poucos, o garoto, com as
cores e a curiosidade próprias da infância, a tira de sua alienação e torpor,
lançando-a na gangorra do quero-não quero, vivida quando somos pegos de
surpresa por um grande amor. A vida pode realmente ficar morna e sem
graça, e não há nada melhor pra nos mostrar a força da vida do que conhecer um
ser humano que nos afete/toque.
Enfim,
Verônica me afetou. No início do filme, sua mediocridade, pequenez de espírito,
falta de habilidade com as gentes e sua vida desbotada fazem dela uma
anti-heróina. Ela nos causa uma rejeição
imediata já que representa nossa própria mesmisse e falta de coragem. No final vemos
nela nossa capacidade de transformação. Me vi naquela mulher desistente que se tornou uma heroína destemida e apaixonada. Verônica deixou-se permear pela
vida que nos rodeia, e me alcançou.
Links do filme:
Namastê
Anasha
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