Há momentos em que a vida se
mostra como uma sopa de letrinhas. A gente mexe a panela, pega um punhado com a
colher e tenta, ver ali, naquele fragmento do todo, que palavra dá pra
formar... Amor? Liberdade? Companheirismo? Escolha? Foco? Entrega? Confiança?
Paixão? Medo? Desejo? Casamento? Mas antes da palavra, existe o movimento, o
passeio aleatório das letras na água...
Outra boa imagem pra esses
momentos é a da Roleta Russa. Eu me sinto literalmente no meio do giro,
girando, um giro lento e contínuo, que quando parar, vai apontar direitinho o
meu novo lugar nessa roda. Acho que girei essa roda há anos atrás, e só agora, talvez,
eu colha meu novo número nela. Mas antes do número há o giro, inevitável...
Difícil estar no lugar da roleta
que gira. O giro tem lá seu êxtase, seu regozijo, sua liberdade, mas, se durar
tempo demais, pode virar agonia - sentimento antigo. Lembrei agora das palavras
daquela que foi minha melhor professora de Teoria Teatral, que, à época de
minha primeira agonia aqui postada, respondeu-me o seguinte:
“Lembrasse você de suas aulas de
teoria teatral e saberia que AGONIA, vem de AGON: conflito. O anta-agon,
antagonista, e o prota-agon, protagonista, carregam o conflito gerado pelas
forças opostas. Não é nada demais... embora mate. Mas, faz parte da vida e suas
eternas polaridades. Nenhuma melhor do que a outra. Aceite apenas”. Marcela
Hollanda
Mata porque o universo ali é o da
tragédia, que sempre acaba em tragédia, claro! Algo vai morrer pra que outro
algo possa nascer... A vida é trágica mas pode ser também tragicômica, se
pudermos rir de nós mesmos, e não levar a coisa tão à sério. Bom, é justamente
aí que a porca torce o seu rabicó. E o protagonista pode vir a sucumbir a hybris, conceito grego traduzido como "tudo que passa da medida;
descomedimento”, e que, atualmente, alude a uma confiança excessiva, um orgulho
exagerado, presunção, arrogância ou insolência (originalmente contra os
deuses), que, com frequência, termina sendo punida (Contribuições do Google).
Hybris tem a ver com
falta de controle sobre os próprios impulsos, um sentimento violento inspirado
pelas paixões exageradas... Esse povo que não aceita o lugar do giro e
interfere parando a roleta na marra. Hoje tenho consciência de que já fiz muito
isso, me achando Deus, interferindo no interferível (essa palavra existe?),
indo contra a maré natural das coisas, impaciente e ansiosa...
De novo, tô aqui, roleta! Venci a
ansiedade? Que nada, mas aprendi a submeter-me, mesmo ansiosa, ao movimento da
vida. Giro no vazio quântico das possibilidades, muitas delas, geradas por mim
mesma... O mais sábio a fazer agora é nadar na sopa de letrinhas, um nadar
livre, profundo, renovador, sem nem me dar conta das palavras... E fazer do
girar da roleta uma dança, uma dança reconfortante, que fortaleça o centro
desse meu corpo-mundo-fêmea...
E vai que nenhuma palavra se forme da sopa. E vai que a roleta pare no vazio. Vale o nado e o giro! O resto é tragédia ou comédia!
Namastê
Anasha
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