Passei quinze dias em Tambaba, uma praia naturista na Paraíba. A beleza descomunal do lugar, com suas falésias gigantescas, ocupa o primeiro lugar da lista de motivos que tornaram a viagem inesquecível. A primeira vez que estive numa falésia deu vontade de chorar, rir, gritar, tamanha a sensação de grandeza! Logo em seguida, quando me chamaram a atenção para o que poderia, ou não, haver abaixo dos meus pés, fui tomada pela sensação de perigo. E assim seguiram-se os dias, com Tambaba me mostrando o quanto a vida é maravilhosa e perigosa, ao mesmo tempo.
Adoro o mar, mas quase sempre sinto receio. Dessa vez foi diferente. Seu mar intenso me recebeu de braços abertos e eu me joguei com vontade. Nunca me senti tão entregue! Me lembrei de um verão da infância quando passei férias com os primos no Guarujá. Eles, mais velhos, me encorajaram a ir mais fundo, mais fundo ainda... Fui, apesar do medo, porque me sentia protegida por eles. Foi aí que aprendi a me relacionar com as ondas. Senti essa menina em Tambaba comigo, protegida, indo mais fundo e mais alto, corajosamente.
Passar parte dos 15 dias completamente nua na frente de outras pessoas também ganha destaque. Foi um processo gradual, onde, dia a dia, eu ultrapassava um pouquinho a educação moralista que ainda vivemos e o meu próprio recato, claro. Logo percebi que eu seria a única mulher sozinha ali. As mulheres estão sempre acompanhadas e homens não podem entrar sozinhos (com exceção dos sócios da associação naturista, o que achei muito estranho. Ou pode ou não pode!) Enfim, eu havia sonhado tanto em estar ali que encarei o desafio. Entrava de cabeça erguida e cumprimentava todo mundo tranquilamente.
Tambaba, como toda a nossa sociedade, é como uma cebola com várias camadas e níveis de realidade e consciência: a dos freqüentadores acidentais, a dos curiosos moralistas, a dos punheteiros escondidos na mata, a dos naturistas de verdade, a dos casais buscando sacanagem, a de quem vive do turismo ali... Cada um sintoniza no canal que achar melhor. Livre arbítrio na veia!
No início algumas situações me deram medo e tive vontade de recuar. Logo percebi que uma mulher sozinha estaria sujeita à isso em qualquer praia normal. E que estar sozinha é sempre um desafio. O lado bom (sigo acreditando que sempre há um lado bom em todas as experiências) foi que não fugi do “perigo”. Fiz questão de exercer o meu direito de estar ali nua e simplesmente recusei educadamente os convites que recebi. E me descobri mulher, de verdade.
Risquei um item da minha lista de “coisas que gostaria de fazer antes de morrer”: perder meus “calos“ - gíria naturista para as marcas de biquíni e sunga. Inenarrável o que senti quando me vi inteiramente morena. Mas foi só quando cheguei em casa que percebi porque uma coisa tão boba me era tão importante: Minha menina está feliz por ter a mesma cor de pele do papai! A família do meu pai é morena, de descendência indígena, e eu sou branquela. Finalmente sou índia! (por mais alguns dias, pelo menos).
Quase risquei da lista também o item “ficar sobre uma prancha e surfar pelo menos um minuto”. Juro que quase aprendi, quase mesmo e com um professor extremamente estimulante: Bilú, um cara incrível de 55 anos, que tem problemas numa perna e é cego de um olho. Apesar das limitações, ele surfa todo santo dia como um ritual. ”É pra manter o menino acordado!”, ele dizia. Porém, além da habilidade física necessária eu teria que surfar nua. Aí o bicho pegou. Simplesmente não pude.
Já fui minha própria tirana, me obrigando, cega e compulsivamente, a transpor limites, qualquer um. No fundo, era o desejo de ir além, de ampliar-me, de liberdade, que sigo sentindo. No entanto, antes a coisa acontecia de um jeito tosco e grosseiro para comigo mesma. É claro que me torturei um pouquinho tentando achar um motivo para “aquela covardia”, iniciando assim um julgamento severo: "Foi recato, moralismo! Vergonha! Medo de machucar o corpo! Medo do ridículo! Covardia mesmo!" Até que mudei de canal, ufa! E reencontrei "o conteúdo da minha concha", que é o significado de Tambaba. Quando soube, pus-me a divagar sobre seus/meus possíveis conteúdos, as pérolas... Mas Bilú disse logo: “Não é nada disso. Pros índios, a concha é a piriquita da mulher”. Vixi Maria, mais uma camada da cebola pra descascar!
Com o passar dos dias, já conhecia todos os personagens do lugar: o dono do único bar-pousada que há beira mar, dentro da área naturista (mas que não é naturista nem seus funcionários que ficam vestidos. Outra camada da cebola!), os funcionários da associação (que abordavam as pessoas que entravam de roupa solicitando sua retirada), a única vendedora ambulante da praia, que usava apenas um avental, e outras figuras moradoras daquela região. Esses tantos, fui conhecendo aos poucos, através das narrações daquela que se tornaria minha amiga e madrinha, mas que inicialmente foi minha "guia espiriturística". Fizemos passeios incríveis sempre recheados de boa prosa.
Rosana é dessas nordestinas arretadas, com sotaque carregado, intenso, dramático e contagiante. E ótima contadora de histórias. A descrição das pessoas e acontecimentos, muito minuciosa, trazia à tona pequenas manias e detalhes, me fazendo viajar, como quando lemos um bom livro. Tive a honra de conhecer alguns dos personagens e foi delicioso. Gente é tudo de bom!
Essa é uma grande vantagem de se viajar sozinha: faz-se muitos amigos. Uma companhia pode gerar segurança, acomodação e menos disponibilidade. Ao mesmo tempo, descobri um tempo só meu. E dispunha dele de um jeito muito próprio. Houve uma noite em que passei 3 horas contemplando o céu. Se eu tivesse companhia talvez fosse diferente porque um outro pressupõe acordos, combinados... Num outro dia, decidi "tirar férias das férias" e passei o dia fazendo Nada - que Tudo era.
Na Paraíba, ouvi menos a minha voz. Andava muito sozinha observando as árvores, os bichos, as pessoas e ouvindo os sons da Natureza, que eram também os meus. Senti a Paz e a Beleza, fora e dentro de mim e me senti maior, ou melhor, com mais espaço interno. Minhas audição e visão cresceram.
Quando cheguei à Brasília e entrei no meu apartamento, senti um aperto no peito. Sentei no sofá e pus-me a olhar para a janela, como quem olha de dentro de uma prisão, nostálgica e sôfrega. Graçasaosdeuses, mudei de canal! E logo reparei na folhagem de um enorme fícus que fica em frente à minha janela, o vento batendo suave, as folhas se movendo como se dançassem... Pude ouvir pássaros cantarolando, contemplei o azul lindo do céu... Ai, ai. É preciso saber perceber a Beleza em qualquer lugar!
Anasha (Mudei de nome! Batizei-me em Tambaba, mas essa é uma outra história...)
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Na sopa-eu tem a loucura macarrônica dos italianos do Norte, o instinto lúdico dos índios do Mato Grosso,a sagrada luxúria de habitar um corpo-fêmea nesse mundo doido e ainda arte, desejo, curiosidade, liberdade, volúpia, vento, silêncio...
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9 palpites:
manda as fotos...rsrsrs
Querida estive por lá há um ano atrás, quando tirei o sutiã do biquini a minha mais nova gritava alto e chorando!!! "É meu!!! é meu!!!!é meu!!!"
Beijos
Carol Velho
Querida Anasha,
Linda viagem, nos dois sentidos, pra fora e pra dentro...
Linda tua capacidade de transitar pelos espaços, internos e externos...
Linda tua disposição de sempre seguir mudando, até de nome...
No teu divã vermelho de eros, assumo definitivamente o nome que me destes,
Com carinho,
Tatu
Parabéns Vanessa belo texto ! Sintetico e dinamico. Tambamba realmente é deslumbrante e magico.
Eu e Maria gostamos muito de ter conhecido vc.
Em breve nos veremos por este Brasilzão. rsrs
Bjs.
ELCY OLIVEIRA-Olinda-PE
Pensando alto: "ah... a Nessa... agora Anasha... em Tambaba... surfando pelada... que cena..."
EEE Anasha, que viaaaajem bacana. Vamos juntas, sem compromisso... kkkkk. bjus. Kate
Oh querida Anasha, Prazer! Tarciana Kaline
Oi Tarciana, espero te ver mais vezes. Interessada pelos umbigos?
Desejo toda a profundidad do mundo para o seu. Namastê
Li seu relato,não te conhecia,conhecia,posso dizer que agora te conheço por dentro,pelo que você pensa e sente.Não sei se vai ter alguma valia para você este um comentário,mas hoje estou muito voltado para mim mesmo,não que eu seja excêntrico ou narcisista mas é que hoje,pena que somente hoje,depois de setenta e dois anos de vida,eu pude entender que temos primeiro que conhecermos a nós mesmos para depois poder saber conhecer as outras pessoas.A sua coragem de ser você mesma inteira, aconteceu comigo quando entrei pela primeira vez em Tambaba.Senti parte da natureza e percebi que temos que ter uma visão sistêmica de tudo ,das coisas e das pessoas,não podemos ser parte e nem perceber as coisas e as pessoas de uma forma cartesiana ,dividindo as partes.Parabéns
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