Era uma vez
O beijo, o abraço, o carinho, o contato
Da menina
Que ela dava, despejava, distribuía
Entre todos que bem queria
Mas aí um dia... Ih, tem sempre um dia
Acontece alguma coisa que acaba com a folia:
A mania tão bonita da menina
Foi considerada errada, perigosa, proibida!
(Os outros)
“- A menina tá crescendo, já é quase moça feita. Melhor parar agora ou sua vida tá desfeita!”
(Outros outros)
“- Coisa mais fora de hora, constrangedora, ficar distribuindo carinho assim dessa maneira! Pode não! O que que os outros vão pensar dessa esfregação?”
(Menina)
“- Eu nunca vi dessa maneira. É só meu jeito de gostar, de ficar perto das gentes que quero perto a vida inteira!”
(O maior de todos os outros)
“- Besteira , bobage, lesera! Pode não, e tenho dito! Não se pode ser assim com qualquer um. Você há de aprender: Nessa vida tem UM alguém certo que há de ser seu bem querer.”
(suspiro longo da Menina)
“- Um? Mas eu bem quero a tanta gente! Por que só um escolher? Os beijos e abraços saem de mim sem me dizer. Eles é que escolhem seu rumo. Eu só deixo acontecer!”
(O maior de todos os outros)
“- Chega dessa conversa. Não pode mais e pronto!”
De fato, ninguém disse nada.
Mas pensaram.
E pensamento é coisa forte
Faz guerra, cria intriga, confunde e muda vida de menina.
Ela aprendeu a segurar os seus impulsos.
Cada vez que eles vinham ela tratava de engolir.
Mas, sem conseguir digerir, lhe subiram à cabeça.
E invés de abraço e beijo, ela pôs-se a falar à beça.
E tudo virou blá blá blá.
Falaçâo pra agradar
Muito tempo se passou.
Ela virou mulher feita, dona da própria vida.
Podia fazer o que quisesse com aquela sua mania bonita.
(longo suspiro da Mulher- menina)
“- Ah! Mas logo agora que o coração subiu pra cabeça e se esqueceu de descer?”
E chorou baixinho um choro antigo pra ninguém ouvir.
De saudade da menina que beijava e abraçava a vida!
Muito tempo depois, num quarto pequeno, sozinha
Bem velhinha, ela fez foi morrer...
Mas antes, um minutinho antes, da Vida lhe escapulir
Ela cerrou os olhinhos, se abraçou apertado e se deu um beijinho!
(Velha-menina)
“- Eu me lembro da menina. Sinto-a dentro de mim. Vou me embora junto dela, eu nela e ela em mim”.
Morreu, com sorriso nos lábios
Á noite, no cemitério onde foi enterrada, ouvem-se gemidos e estalos.
De beijos e abraços.
Dizem que é ela, a menina-velha
Que vai, de cova em cova, beijando e acarinhando
Cada um dos ossos dos mortos, ali enterrados
Essa história faz lembrar: um dia a Vida se esvai
E o que se leva da Vida
É o resultado dessa mania bonita
De se querer por demais.
Quem sou eu
Na sopa-eu tem a loucura macarrônica dos italianos do Norte, o instinto lúdico dos índios do Mato Grosso,a sagrada luxúria de habitar um corpo-fêmea nesse mundo doido e ainda arte, desejo, curiosidade, liberdade, volúpia, vento, silêncio...
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