Mãe, quantas vezes quis voltar pra dentro de você? Outras, não podia nem ficar perto. Queria separar nossos pedaços pra ver quem eu era.
Tenho verdadeiro fascínio pela semelhança entre parentes. Posso ficar horas admirando os pés parecidíssimos de dois irmãos. E até uma família inteira com o mesmo nariz! E a voz, ao telefone, de mãe e filha? Não consigo pensar em genética, pra mim é mágica pura. Vários pedacinhos iguais espalhados por aí como se tivessem fugido do original. Talvez eu observe as semelhanças pra achar as diferenças. Medo de repetir os mesmos erros. Encontrar um documento que prove que o meu destino é único, é só meu. Medo do tempo que modifica as coisas rápido demais.
Hoje disfarço e te observo ternamente. Tenho ímpetos de te embalar nos braços, de acariciar teus cabelos... Já não é mais fascínio, nem temor, e nem marca de brasa feito as de gado. Apenas te olho, e me comovo em segredo. Quero te dar a mão, mas ainda temo um passado que me devorava braços e pernas. O tempo passa rápido demais. Estou conquistando isso também, pernas e braços.
Talvez por isso eu escreva. Pra tentar elucidar as pequeninas lacunas que passaram despercebidas por entre as minhas pernas. Tão rápido quanto aqueles pintinhos que eu tentava apanhar no galinheiro quando íamos pra fazenda. A alegria de correr tão rápido quanto eles, somada a sensação de Poder pela esperteza necessária, e que eu tinha, pra evitar um ataque da mãe. A deliciosa sensação de perigo, o risco de levar doloridas bicadas... E principalmente a culpa por querer desesperadamente arrancar aquele pinto de perto da mãe e ter a ousadia de camuflar este ímpeto quase existencial usando o pobre filhote como troféu ou objeto de estudos científicos.
A palavra “resultado” não tinha o mínimo significado, só existia o ato. Dentro de mim o anjo bom brigava com o mau. A obediência me parecia oposta à qualquer ato nobre! Seguir a etiqueta do que vigorava como “certo” soava como vender a alma ao diabo. Outras vezes não. A boa e velha dúvida, sempre! O fato é que acabei por não decidir, escolhi a dúvida, que é a vontade de acertar! Minha amiga mais íntima.
Descobri que decisão é um momento. É um presente que se ganha quando somos abençoadas com aquele ventinho passando por entre as nossas pernas, e num reflexo, agarramos o pintinho! Mas nós não somos tão más assim e, lá pelas tantas, soltamos o bicho pra que ele volte pra mãe, não como cobaia ou troféu de perversas-ingênuas brincadeiras infantis, mas como ele mesmo: um simples e comum pintinho de galinheiro!
Os vários pedacinhos seus, estou tratando, de uma vez por todas, de transformar em meus. Aceitei-os muito antes de optar pela dúvida. E talvez os tenha escolhido. São bons ou maus? Acho que isso não importa, nunca importou o que importa é o ato, não o resultado. E a ato é de amor, sempre foi e certamente jamais deixará de ser.
Anasha (1995)
1 palpites:
Muito bonito seu texto, querida. Belo.
Postar um comentário