4 de abril de 2013

O Circo dos Prazeres - um conto desprazeroso

"Cada pessoa deve escolher quanta verdade pode suportar".Friedrich Nietzche



Em algum lugar, perdido no tempo, jazia montado O Circo dos Prazeres. O ingresso, baratinho, oferecia desde a entrega carnal arrebatadora até a expressão dos afetos mais dolorosos e doentios. Ali, tudo era permitido, e talvez, instigado. Libidos obscurecidas pulsavam se esparramando por quem se aproximasse. 

A Mulher Barbada era a atração principal! Por sua esquisitice, acabava atraindo para seu leito, os homens mais estranhos, aleijados físicos e psíquicos. Sua estranheza acolhia a estranheza alheia. Sua pele estava impregnada da dor dos homens, que também era a sua. Seus ouvidos, sempre abertos às palavras vazias. Seu corpo, submisso, recebia nada. Havia intimidade, nada íntima. E entrega, nada entregue. Nada. Nada era o que parecia. Talvez a regra implícita fosse exatamente essa: falsear, auto-enganar-se. Quanto mais os homens se expunham, menos se mostravam. Quanto mais a Mulher Barbada se dava, menos se abria. Em seu leito, toda a impossibilidade dos homens. Em seu leito, os fantasmas dos outros eram aquecidos com lençóis de ilusão, ninados feito bebês.

Um dia, inesperadamente, a Mulher Barbada levantou de sua cama, exausta, como se houvera carregado pedras por toda a vida... E, num ato corajoso e desesperado, retirou a barba à navalhadas. Destruiu seu sustento. E deflagrou, sem saber, uma outra rebelião: Seus cabelos, cansados da falta de afagos, se lançaram ao chão. A pele, desejosa de afeto, murchou e feneceu. A língua, sedenta de beijos de amor, envenenou-se. O coração, faminto de paixão, ralentou suas batidas. Sentiu-se vazia, seca, fraca. E caiu, exausta, como se houvera carregado pedras por toda a vida...

Viu-se caveira, de ossos brancos e reluzentes. Estendida na terra úmida. Desejou profundamente renascer. O primeiro desejo que já se permitira... E desesperada, cantou, cantou sobre os ossos, cantou com a alma, que nem sabia que tinha. O som melodioso da sua voz, que também não se sabia assim, foi penetrando os ossos, fazendo-lhes cócegas, brincando de acarinhar... E porções de carne, pele e pelos foram, lentamente, surgindo e recobrindo os ossos. Quanto mais cantava, mais vida surgia até que um novo corpo, simples, nu, verdadeiro, brotou. Levantou. Sorriu. Correu, correu muito. Correu livre. Correu possível.

Namastê
Anasha